Fernando Pessoa - poemas
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Fernando Pessoa




Treme em luz a água. (s. d.)
Rala cai chuva. O ar não é escuro. A hora (1932)
Redemoinha o vento, (1-9-1933)
Renego, lápis partido
Repousa sobre o trigo
Sabes quem sou? Eu não sei
Saudade dada
Se estou só, quero não estar
Se eu, ainda que ninguém




Treme em luz a água.
Mal vejo. Parece
Que uma alheia mágoa
Na minha alma desce -

Mágoa erma de alguém
De algum outro mundo
Onde a dor é um bem
E o amor é profundo,

E só punge ver,
Ao longe, iludida,
A vida a morrer
O sonho da vida.



Rala cai chuva. O ar não é escuro. A hora (1932)

Rala cai chuva. O ar não é escuro. A hora
Inclina-se na haste; e depois volta.
Que bem a fantasia se me solta!
Com que vestígios me descobre agora!

Tédio dos interstícios, onde mora
A fazer de lagarto. - O muro escolta
A minha eterna angústia de revolta
E esse muro sou eu e o que em mim chora.

Não digas mais, pois te ignorei cativo...
Teus olhos lembram o que querem ser,
Murmúrio de águas sobre a praia, e o esquivo
Langor do poente que me faz esquecer.
Que real que és! Mas eu, que vejo e vivo,
Perco-te, e o som do mar faz-te perder.

Poesias Inéditas (1930-1935). Fernando Pessoa. 




Redemoinha o vento, (1-9-1933)

Redemoinha o vento,
Anda à roda o ar.
Vai meu pensamento
Comigo a sonhar.

Vai saber na altura
Como no arvoredo
Se sente a frescura
Passar alta a medo.

Vai saber de eu ser
Aquilo que eu quis
Quando ouvi dizer
O que o vento diz.



Renego, lápis partido, (12-4-1934)

Renego, lápis partido,
Tudo quanto desejei.
E nem sonhei ser servido
Para onde nunca irei.

Pajem metido em farrapos
Da glória que outros tiveram,
Poderei amar os trapos
Por ser tudo que me deram.

E irei, príncipe mendigo,
Colher, com a boa gente,
Entre o ondular do trigo
A papoila inteligente.




Repousa sobre o trigo (12-9-1933)

Repousa sobre o trigo
Que ondula um sol parado.
Não me entendo comigo.
Ando sempre enganado.

Tivesse eu conseguido
Nunca saber de mim,
Ter-me-ia esquecido
De ser esquecido assim.

O trigo mexe leve
Ao sol alheio e igual.
Como a alma aqui é breve
Com o seu bem e mal!



Sabes quem sou? Eu não sei. (12-4-1934)

Sabes quem sou? Eu não sei.
Outrora, onde o nada foi,
Fui o vassalo e o rei.
É dupla a dor que me dói.
Duas dores eu passei.

Fui tudo que pode haver.
Ninguém me quis esmolar;
E entre o pensar e o ser
Senti a vida passar
Como um rio sem correr.




II - SAUDADE DADA (s. d.)

                II

SAUDADE DADA

Em horas inda louras, lindas
Clorindas e Helindas, brandas,
Brincam no tempo das berlindas,
As vindas vendo das varandas.
De onde ouvem vir a rir as vindas
Fitam a fio as frias bandas.

Mas em  torno à tarde se entorna
A atordoar o ar que arde
Que a eterna tarde já não torna!

E em tom de atoarda todo o alarde
Do adornado ardor transtorna
No ar de torpor da tarda tarde.

E há nevoentos desencantos
Dos encantos dos pensamentos
Nos santos lentos dos recantos
Dos bentos cantos dos conventos...
Prantos de intentos, lentos, tantos
Que encantam os atentos ventos.

«Ficções do Interlúdio».




Se estou só, quero não estar, (2-7-1931)

Se estou só, quero não estar,
Se não estou, quero estar só,
Enfim, quero sempre estar
Da maneira que não estou.

Ser feliz é ser aquele.
E aquele não é feliz,
Porque pensa dentro dele
E não dentro do que eu quis.

A gente faz o que quer
Daquilo que não é nada,
Mas falha se o não fizer,
Fica perdido na estrada.




Se eu, ainda que ninguém, (16-9-1933)

Se eu, ainda que ninguém,
Pudesse ter sobre a face
Aquele clarão fugace
Que aquelas árvores têm,

Teria aquela alegria
Que as coisas têm de fora,
Porque a alegria é da hora;
Vai com o sol quando esfria.

Qualquer coisa me valera
Melhor que a vida que tenho -
Ter esta vida de estranho
Que só do sol me viera!
 




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